A DINÂMICA DAS PROBABILIDADES NO JOGO DE BRIDGE 
por Carlos Salgado Nunes (Carlão)

Analisar corretamente as probabilidades no decorrer de um carteiro de Bridge não é tão fácil como possa parecer, pois requer não só um sólido conhecimento matemático do assunto como também um conhecimento da psicologia do jogo de Bridge. Muitos, facilmente incorrem em erros de interpretação e deixam de fora aspectos de psicologia de comportamento, que devem ser assumidos neste estudo.

Na verdade, probabilidades em Bridge, é um campo de estudo e de interesse mesmo para um matemático, não bridgista, razão pela qual Émile Borel, eminente professor de Cálculo de Probabilidades da Faculdade de Ciências de Paris, se dedicou em conjunto com o jornalista André Chérom, a escrever um extenso tratado intitulado "Theorie Mathematique du Bridge" que foi publicado em francês em 1940 como uma aplicação ao cálculo das Probabilidades. Neste trabalho o professor Borel praticamente exauriu o assunto, porém poucos bridgista da época o leram, e dos que o fizeram acredito que poucos realmente conseguiram entendê-lo. O livro é até hoje uma fonte sagrada no que se refere a probabilidades no bridge.

Com o intuito de mostrar ao leitor alguns fundamentos básicos de como funciona a probabilidade no bridge, vamos ao longo deste texto reproduzir alguns ensinamentos do mestre Borel, de forma paulatina, até adentrarmos no estudo específico do "Restricted Choise", que irá se apresentar como um corolário do que nos ensinou Borel.

Inicialmente vamos analisar alguns erros possíveis de interpretação que poderiam ser feitos nos cálculos de Probabilidades, e que está comentado por Borel, nas notas do seu livro.

ERRO 1: Após de um leilão em que a dupla ESTE-OESTE (E-O) não interferiu no leilão, SUL carteira 4 Espadas e possui todas as nove maiores cartas de espadas, restando portanto entre E-O quatro cartas menores, que são:  2, 3 , 4 e 5 de Espadas. Surge então a seguinte pergunta: "Quais são as Probabilidades destas 4 cartas entre E-O ?"

Para obtermos essas probabilidades precisamos saber quantas são as possíveis mãos de 13 cartas formadas pelas 26 cartas que sobraram para E-O ( 10.400.600 ). A seguir precisamos calcular para cada distribuição possível das cartas de Espadas ( 4-0 , 3-1 e 2-2 ) dentro do conjunto das cartas que completam a mão, qual é a porcentagem que elas possuem dentro do número total de mão de E-O. As fórmulas de análise combinatória abaixo fazem este cálculo.
 (Seja Cn.m a Combinação de n subconjunto de m elementos cada)

C4,0 x C22,13 x 100                          C 4,4 x C22,13 x 100
----------------------- =   9,5652% = ----------------------- para 4-0 ou 0-4
         C26,13                                            C 26,13              

C4,1 x C22,12 x 100                            C 4,3 x C22,10 x 100
----------------------- = 49,7391% = ------------------------ para 3-1 ou 1-3
        C26,13                                              C 26,13

C4,2 x C22,11 x 100
----------------------- = 40,6957% para 2-2
        C26,13

Agrupando agora as distribuições simétricas dos resíduos obtemos as conhecidas probabilidades de distribuição das 4 cartas entre E-O:
4 a 0 ou 0 a 4 =   9,5652% ocorrem 2 vezes => 4,7826%
3 a 1 ou 1 a 3 = 49,7391% ocorrem 8 vezes => 6,2174%
      2 a 2         = 40,6957% ocorrem 6 vezes => 6,7826%

O quadro das 24 = 16 configurações possíveis dessas 4 cartas entre os oponentes é:
01) 5432 – chicana = 4,78%     09)     43      -  52     = 6,78%
02) 543   -     2        = 6,22%    10)      42      -  53     = 6,78%
03) 542   -     3        = 6,22%    11)      32      -  54     = 6,78%
04) 532   -     4        = 6,22%    12)      5        -  432   = 6,22%
05) 432   -     5        = 6,22%    13)      4        -  532   = 6,22%
06) 54     -     32      = 6,78%    14)      3        -  542   = 6,22%
07) 53     -     42      = 6,78%    15)      2        -  543   = 6,22%
08) 52     -     43      = 6,78%     16) chicana  -  5432 = 4,78%

Vamos agora supor que a saída foi de Espadas e que tanto OESTE como ESTE serviram uma carta, restando portanto no naipe duas cartas, que podem estar distribuídas 1-1 ou 2-2.


* Se antes haviam 26 cartas entre E-O então agora só há 24 cartas e portanto para  
* se calcular a probabilidade da distribuição das 2 cartas restantes devemos fazer:  
*OESTE terá      C2,2 x C22,10 x 100                                                                             
* duas cartas    ----------------------- = 23,9130% ---!                                  
*                              C24,12                                          !                                            
*                                                                                   ! => 47,8260              
* OESTE terá      C2,0 x C22,12 x 100                           !                                  
* zero cartas    ------------------------ = 23,9130% ---!                                  
*                             C24,12                                                                                            
*                                                                                                                                        
* OESTE terá    C2,1 x C22,11 x 100                                                                              
* uma carta     ------------------------- = 52,1700%                                               
*                             C24,12                                                                                           
*                                                                                                                                       
* Ou seja, esses números mostram que antes a distribuição 3-1 era mais provável, 
* pois tinha 49,7391% de chance contra  40,6957% da distribuição 2-2. Agora a      
* distribuição 3-1 ficou menos provável, pois a 2-0 (que era antes 3-1) ficou com
* 47,8260% e a distribuição 1-1 (antes 2-2) ficou com 57,1700%                                

É evidente que algo está errado, pois é um absurdo considerar que após as duas cartas não significativas terem sido servidas a distribuição 3-1 deixou de ser mais provável.

Na verdade existe um grave erro assumido na concepção do cálculo dessas probabilidades, pois após as cartas terem sido dadas as combinações de cartas foram fixadas em base as leis do azar e o azar não intervém mais após dadas as cartas, ele já pronunciou sua sentença irrevogável quando o baralho foi embaralhado e cortado, e as cartas não estão sendo redistribuídas! As cartas que vão sendo servidas entre E-O simplesmente nos dão informações para que que possamos reavaliar a probabilidade das distribuições das cartas de E-O de modo a poder eliminar as porcentagens das distribuições que temos certeza que não estão presentes.

Na verdade, o cálculo anterior, que foi feito com erro de interpretação, ele se aplicaria para uma situação em que após as 2 cartas terem sidos servidas, as 24 cartas restantes entre E-O seriam embaralhadas, cortadas e distribuídas novamente entre E-O . Neste caso, sem duvida, a distribuição das duas cartas de Espadas teriam a probabilidades: 52,170% para 1-1 e 47,826% para 2-0.

O cálculo correto a ser feito, após as 2 cartas de Espadas terem sido servidas, deve considerar a distribuição a priori (antes da saída), onde o carteador conhece somente a sua mão e a do morto, porém quando E-O serve alguma carta temos uma nova situação, isto é, as probabilidades mudam durante o transcorrer do carteio e para calcularmos as novas probabilidades devemos aplicar a fórmula do Reverendo T. Bayes ( ?-1761, Inglaterra), que permite reconstituir a verdadeira Probabilidade a posteriori, aquela que já considera as informações fornecidas pelas cartas servidas por E-O.

Nota: o teorema ou fórmula Bayes para a probabilidade inversa, foi publicada em 1763, relacionando a probabilidade de causas desconhecidas inferidas de efeitos observados. No fundo, ele é uma simples regra de 3 aplicadas sobres as probabilidades que entram em jogo, conforme descritas abaixo:

Seja p1, p2, ... pn as probabilidades (a priori) de entrada em jogo das causas c1, c2, ... cn. Seja w1, w2, ... wn as probabilidades (psicológicas) que vão ser admitidas para as causas c1, c2, ... cn, quando o evento E for observado.

Desta forma as probabilidades compostas correspondentes serão:
p1 x w1 para c1, p2 x w2 para c2, ... pn x wn para cn

portanto as probabilidades a posteriori Pn, calculadas após o evento E ter sido observado, para que ele seja devido as causas cn, requer os ajustes que eliminam as probabilidades que não entram em jogo e serão portanto:
                     p1 x w1                                              p2 x w2
P1= _________________________ , P2 = _________________________ , etc
        p1 x w1 + p2 x w2 +... pn x wn           p1 x w1 + p2 x w2 +... pn x wn

Ou seja, quando w for zero significa que essa probabilidade não entra em jogo, quando w for 1 significa que essa probabilidade a priori será totalmente mantida, se w = ½ então somente a metade da probabilidade a priori deve ser considerada, etc. Voltando ao nosso caso de estudo, a reavaliação das probabilidades nos dá :

4-0 que antes era 9,5652%, ficou zero, pois ambos oponentes serviram;
3-1 que antes era 49,7341%, continua 49,7941%;
2-2 que antes era 40,6957%, também continua 40,6957%.

Logo o que muda é o nosso conjunto universo (espaço amostral), que deve ser calculado pela soma das distribuições possíveis, isto é,
           49,7391% + 40,6957% = 90,4348%
a distribuição 2-0 será (40,6957 / 90,4348) x 100 = 45%
a distribuição 3-1 será (49,7391 / 90,4348) x 100 = 55%

É interessante observar que a relação entre 3-1 e 2-0 se mantém inalterada pois não houve deleção de nenhuma das configurações que formam essas distribuições, ou seja:

 49,7391% ( probabilidade a priori)                    55% (a posteriori)
 ---------------------------------------- = 1,2222 = ---------------------
 40,6957% (probabilidade a priori)                     45% (a posteriori)

o que, por questão de bom senso, era de se esperar.

Vejamos agora uma aplicação do que falamos : Temos um naipe com AKJ108 na mão e 9765 no morto, totalizando 9 cartas, onde falta 3 cartas pequenas e a Dama. Após batermos o Ás tanto ESTE como OESTE servem uma carta pequena. Assumindo que E-O somente descarta a Dama se ela for seca, podemos ter certeza que além da distribuição 4-0 não existir, não existe também as 2 configurações (uma em ESTE e outra em OESTE) que admitem a Dama seca. Logo, essas configurações devem ser deletadas da distribuição 3-1.

Recompondo as distribuições temos :
4-0 ficou zero;
2-2 continua com 40,6957%;
3-1 ficou 49,7391% - (2 x 6,2174%) = 37,3043%

portanto nosso conjunto universo ficou 40,6957 + 37,3043 = 78,00 logo:
a distribuição 1-1 (antes 2-2) ficou: (40,6957 / 78,0000) x 100 = 52,17% e
a distribuição 2-0 (antes 3-1) ficou: (37,3043 / 78,0000) x 100 = 47,83%

Conclusão: embora a distribuição 3 a 1 tenha maior probabilidade inicial, ao se eliminar duas de suas possíveis configurações a probabilidade 3 a 1 possível diminuiu, donde fica evidente que ao se jogar por Dama segunda. há uma pequena chance a mais que fazer finesse para jogar por Dama terceira, razão pela qual com 9 cartas no naipe, quando os oponentes não interferem no leilão, devemos jogar pela queda da Dama segunda.

CONCEITO DE LUGARES VAGOS (uma outra forma de se calcular probabilidades)

ALERTA:
Porém se a mão completa for :
976
AQ32
A2
Q876
======    Contrato 4
 
!     N       !    Saída J
   NORTE serve o A e ESTE serve o K !!!
! O     E   !
!     S       !
======
AKJ1084
4
43
K954

Ou seja, numa situação, como descrita acima, onde o carteador põe o Ás de NORTE e ESTE serve o Rei de Copas, está claro que esse Rei deve ser seco (ou seria uma jogada de um ET para induzir o carteador a uma opção errada ? - na verdade após esse estudo você poderá fazer essa jogada deceptiva espetacular e salvar uma Dama segunda na mão do seu parceiro induzindo o Carteador). Portanto assumindo que OESTE tem 7 cartas de Copas isso muda o modo de se estimar a chance da Dama estar com ESTE, pois essa informação elimina inúmeras distribuições possíveis e torna portanto o cálculo da probabilidade a priori incompleto para ser usado aqui. 

O relevante agora é que ESTE tem mais espaço (LUGARES VAGOS) para poder conter a Dama de Espadas e é justamente na proporcionalidade dos Lugares Vagos que deve ser feita a estimativa da chance da Dama de Espadas estar em ESTE ou OESTE. 

O carteio correto agora será bater o Ás de Espadas para ver se a Dama está seca ou se OESTE tem chicana. A seguir voltar no morto e puxar trunfo. Se ESTE servir uma pequena Espadas estaremos diante da seguinte relação: em ESTE existe uma carta de Copas e duas cartas de Espadas, logo há 10 lugares vagos para caber a Dama de Espadas, enquanto que em OESTE existem 7 cartas de Copas e uma de Espadas, o que implica em haver somente 5 lugares vagos para caber a Dama de Espadas, ou seja, a relação é de 2 para 1 (66% contra 33%) em favor da Dama estar em ESTE.

O fato é que a informação com base nos resíduos de probabilidade, base dos cálculos anteriores, perderam o sentido, pois muitas das configurações possíveis foram deletadas e a nova informação, ou seja, o evento da queda do Rei de Copas, é que traduz agora uma causa significativa para o cálculo da probabilidade a posteriori, que deve agora ser feito com base do conceito de LUGARES VAGOS, que é o mecanismo matemático adequado para essa avaliação, visto que não temos condições práticas de avaliar todas as configurações deletadas.

Para se usar o princípio de Lugares Vagos, devemos somar, para cada um dos oponentes, o número de cartas de um ou mais naipes devidamente conhecidos (não se inclui o naipe se algumas cartas foram jogadas ou baldadas mas a distribuição total não é devidamente conhecida), mais as cartas do naipe em questão que já foram jogadas. A seguir, subtraindo esse total de 13 temos o número de Lugares Vagos para conter a carta que buscamos. 

Desta forma se um oponente tem 6 lugares vagos e outro tem 10 lugares vagos está claro que a relação 10 para 6 ou 62,5% para 37,5% orienta onde é mais provável que a carta buscada possa estar.

Enfatizamos, que na situação acima descrita, que se o ataque tivesse sido Ouros, toda análise das probabilidades mandaria que se jogasse pela Dama segunda, pois não haveria nenhuma outra informação, nenhum evento extra, que justificasse jogar pela Dama terceira em ESTE. Porém, se OESTE tivesse dado um overcall em salto fraco, por exemplo, tivesse marcado 3 Copas no Leilão, mesmo se ele saísse de Ouros, haveria então uma informação valiosa de Leilão para justificar a finesse de Espadas baseada na inferência dos Lugares Vagos.

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